segunda-feira, 15 de setembro de 2008

MADAME SATÃ, LAPA E A ILHA GRANDE
















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Fontes e créditos: escritor Rogério Durst/1985; Pedro Luiz; Jornal do Brasil e o Globo; Orestes Ribeiro; e outros.
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CLIQUE AQUI E ASSISTA O VÍDEO DO FILME MADAM SATAN 1930.
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João foi, como se diz, de tudo um pouco: malandro, artista, presidiário, pobre e até pai adotivo, até se tornar Madame Satã, cujo nome foi tirado de inspiração do filme Madam Satan, de Cecil B. De Mille, em 1930, (Por Tatiane Crescêncio 28/02/2006)
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Foto 01 - Madame Satã na sua pose favorita. Foto 02 (alto) Jaguar, colunista do Jornal O DIA, amigo de Madame Satã - Foto 03 (alto) - Cecil Blount DeMille, cineasta americano, autor do filme Madam Satan (Madame Satã), de 1930. Foto 04 - Madame Satã com 18 quilos a menos, dia 22 de fev 1976, Hospital do INPS de Ipanema, com Norma Bnguell./Foto 05 - No hospital de Angra dos Reis, antes de ser transferido pelo cartunista Jaguar./Foto 06 - Com o seu chapéu panamá.
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O MAIS FAMOSO MALANDRO DA LAPA

"Quando o conheci, já era sessentão...tinha o físico seco,
sólido e razoavelmente musculoso."
(Orestes Ribeiro)
É quase impossível falar do Rio Antigo, mais precisamente a partir dos anos 30 do século passado, sem que o nome de Madame Satã seja lembrado. O malandro mais querido e famoso que o bairro da Lapa já teve, nasceu em 1900 em Glória do Goitá, Pernambuco, recebendo de batismo o nome João Francisco dos Santos. Ele tinha 17 irmãos, que também eram filhos de Manoel Francisco dos Santos e Teresa Firmina da Conceição, descendentes de escravos, compondo uma família muito pobre, semelhante a quase todas as outras do interior pernambucano.
Com a morte de seu pai, em 1907, a familia ficou ainda mais pobre, motivo que obrigou sua mãe a trocá-lo por uma éguinha com um negociante de cavalos chamado Laureano. Como todo “bom” canalha, prometeu a dona Firmina que o pequeno João receberia tratamento humano, casa, comida e escola. Mas, não foi isso o que aconteceu; o menino “foi transformado numa criança escrava”. Digamos que, de criança escrava para vítima de abuso sexual, a distância é mínima.
Ocorre, que numa viagem à Itabaiana, estado da Paraiba, Joãozinho conhece um outro “anjo da guarda” de nome sugestivo chamado dona Felicidade. Lembrando o caso do comerciante de cavalos, compadeceu-se da mesma forma com a triste situação da criança covidando-o para fugir. E o menino aceitou o convite. Os dois fugiram para muito longe...longe de verdade.
Chegaram ao Rio de Janeiro e, em 1908, dona Felicidade monta um pensão de nome Hotel Itabaiano. Já com 8 anos de idade “fazia a entrega de marmitas”. No vai e vem das entregas, aos poucos passou a frequentar a Lapa, onde mais tarde se tornaria num dos malandros mais famosos do Rio. Certamente, “amor a primeira vista entre João e a Lapa”. É para lá que ele fugiu em 1913 e foi viver. Esta relação só se interrompeu quando condenado pela justiça, a purgar grande maioria das suas penas, no presídio de Ilha Grande, em Angra dos Reis.
Na nova casa, pelas ruas estreitas e sujas daquela época, viveu como qualquer moleque de rua, sobrevivendo apenas do “Deus dará” e pequenos furtos. Cesto de feira e pé de escada era a sua cama. Em tal circunstância, a vítima de triste destino era preso e apanhava da polícia. As vezes vinha em seu socorro a cafetina Catita, mulher imensa de 180 kg que defendia os moleques. Conheceu então o senhor Bernardo, vendedor de pratos e panelas de alumínio com quem passou a trabalhar, motivo pelo qual abandonaria a rua. Em 1918, João vai trabalhar como garçon na pensão da Lapa pertencente as madames Gaby, Naneth e Janeth.
Um malandro e gigolô chamado sete-coroas foi o seu mestre na “fina arte da malandragem”. Com êle aprendeu a arte do jogo, da navalha, da rasteira e da valentia. Por volta de 1923, com 1,75 de altura e andar ligeiro, já era conhecido pelo apelido de Caranguejo e respeitado pelo seu murro violento de esquerda, agilidade e resistência física. Ele era do tipo que não levava desaforo pra casa e não corria da raia. Entrava numa briga com muito gosto e coragem. Segundo a lenda, muitos policiais foram humilhados em confronto com esse personagem que tinha físico seco e sólido, razoável musculatura e, caminhava ereto e sempre apressado.
Um homem alto, magro e muito bonito chamado “Brancura”, foi o caso homossexual mais conhecido de Madame Satã. Viveram juntinhos e felizes duarante dois anos, até que um dia Brancura fugiu para São Paulo, para viver com uma mulher. Transtornado, foi atrás do seu grande amor, mas, em vão.
Desde criança acariciava o sonho de ser travesti e assim “ser alguém na vida”, o que conseguiu quando se fantasiou para um concurso lançado pelo Bloco Caçador de Veados. Outros rapazes de sua época também curtiam o mesmo sonho. Certo dia, no Passeio Público, preso com outros travestis e levados para a delegacia, todos se identificaram com o seu nome de guerra ou profissão, exceto João dos Santos. O delegado Gonçalves estranhou o fato raro e, inspirado no título de um filme americano (Madam Satan - 1930) que estava em exibição, foi o responsável pelo apelido através do qual ficaria conhecido o lendário malandro da Lapa: MADAME SATÃ. Gabava-se de ter sido o primeiro travesti-artístico brasileiro.
Mais tarde, enveredou pelo caminho da malandragem, ou melhor, do crime. Costumava dizer: não sou bandido, sou malandro! Por longo tempo foi considerado o terror do bairro da Lapa, centro do Rio, capital federal na época.
Aos 29 anos foi preso por homicídio. O motivo foi uma briga entre ele e o guarda Alberto, dentro de um restaurante, e que terminou com a morte do guarda. Fugiu, mas foi perseguido pela polícia até ser capiturado. Com referência a esse homicídio, dizia ele: “- Quando o revólver disparou na minha mão, eu ajudei Deus a levar o guarda Alberto.”
Entre uma decepção amorosa homossexual e outra, tinha uma recaida. Em 1946, conheceu Maria Faissal com quem passaria a viver mas, não por muito tempo. Foram bons amigos.
Madame Satã, enquanto nas mãos da justiça, teve que responder a cerca de 29 processos referentes a agressões, desacato a autoridade, roubos e prática de uma tal de “suadouro” muito comum nos bordéis (putero). Além do caso de homicídio citado anteriormente. Somado todas as penas contra ele foram 27 anos e oito meses, quase todas cumpridos no presídio de Ilha Grande. Era considerado um preso de excelente comportamento, relacionando-se bem com todos os companheiros. As faltas a ele atribuídas foram algumas tentativas de fuga, que assim justificava: - “o pior para mim era perder a liberdade...”
Depois de longo tempo vivendo distante da Lapa, o seu coração inevitavelmente deu lugar a uma outra paixão: a Ilha Grande, maior ilha do litoral fluminense. “A Ilha Grande é a minha segunda mãe”, dizia ele. Após cumprir todas as penas, decidiu ficar por ali mesmo, fixando residência na Vila do Abraão.
Mesmo na velhice, não se envergonhava de dizer que havia praticado relação homossexual durante algum tempo. Gostava de curtir sua casinha, onde vivia em paz com a vida, cercada por árvores frutíferas como bananeiras, jaqueiras e coqueiros. Para se manter, fazia trabalhos domésticos. Lavava roupas para muita gente e também exercia a profissão de cozinheiro ganhando fama com as suas famosas peixadas, temperadas com condimentos tirados da mata local. Dizem que ainda existe lá na Vila do Abraão uma peixada a moda Madame Satã.
O sangue carnavalesco corria nas suas veias. Duranto o período da festa de Momo, vestia-se com uma fantasia diferente para cada dia e divertia-se pra valer. Não dispensava uma só noite, e durante o dia saía no bloco do sujo com os rapazes do Abraão. Era show, imagino.
Tinha uma filha adotiva chamada Ivonete, a qual dedicou esforços e procurou amparar para que “tivesse um futuro digno”. Parece que a dedicação de João dos Santos não foi em vão, pois sua filha tornou-se professora. Afirmava ter outros filhos adotivos.
Em 1971, procurado pelo Jornal Pasquim, único jornal alternativo que sobreviveu a ditadura militar, saiu da obscuridade ao conceder entrevista. Nessa entrevista ele cita, que testemunhou na Praia do Corisco, Ilha Grande, o assassinato de um preso chamdo Jatobé, por dois policiais. A partir daí, volta a ser lembrado não mais como bandido e, sim, uma lenda que passaria definitivamente a fazer parte da história do Rio e da Ilha Grande.
Carisma e fama ajudaram conquistar amigos no meio artístico, motivo que lhe valeu, em janeiro de 1975, trabalhar na peça teatral Lampião do Inferno, na qual relatava fatos de sua vida na malandragem. Segundo consta, Madame Satã, não concordava muito em submeter-se às regras disciplinares da vida teatral, motivo da vida efêmera da peça.
Após esse episódio, que talvez justifique a sua impaciência, ao sentir-se doente e debilitado, procurou em Angra dos Reis, socorro médico no Hospital e Maternidade Condrato de Vilhena (Codrato/coldrato), onde ficou internado por vários dias como indigente e no anonimato, sem que os médicos conseguissem identificar a doença que o vitimara. Lá, foi descoberto pelo Jornal o Globo, que tornou público as condições em que se encontrava o mais famoso e boêmio do lendário bairro da Lapa.
"Mesmo, debilitado, desanimado, mantinha, entretanto, parte do espírito teatral de outrora, como nas ocasiões em que desabafava para os enfermeiros que cercavam sua cama: "Madame Satã, o travesti da Lapa, o marginal perigoso, está no fim." E após uma pausa, acrescentava: E que fim."
O cartunista Jaguar, ao tomar conhecimento do fato, compadeceu-se com a triste situação do amigo e, junto com a atriz Norma Benguell e Joel Barcelos transferiram-no para o hospital do INPS (INAMPS) de Ipanema, onde foi possível diagnosticar “câncer no pulmão em fase avançada”, doença que já havia comprometido outros orgãos.
Internado, ainda resistiu dois meses. Sozinho numa enfermaria, com 18 quilos a menos que o normal, morreu no dia 12 de abril de 1976, às 17 horas e 30 minutos. Na ficha, a causa da morte: câncer pulmonar com metastase (disseminação da doença em outros órgãos). Passava pouco das 21h quando o jornalista Jaguar chegou ao hospital para reclamar o corpo. Logo depois chegava Ivonete dos Santos, filha adotiva de Madame Satã. Eles cumpriram o seu último desejo. O corpo de João de Francisco dos Santos foi transladado para a Ilha Grande e sepultado dignamente no cemitério da Vila do Abraão, no dia 14 de abril.
Dois meses antes de falecer, disse ao reporte do mesmo Jornal:
A morte é o fim de todos. Pois, que venha logo, que eu não quero ficar entrevado numa cama!
Parabéns ao cartunista e jornalista Hélio Jaguaribe, o Jaguar, pelo belo ato de humanidade!!!

6 comentários:

Unknown disse...

Sr. José Carlos,

Por acaso você sabe onde posso adquirir o livro do escritor Orestes Ribeiro, com as crônicas da Ilha Grande?

mavvp disse...

SOU ESPIRITA,E TENHO LAÇOS MUITO FORTES COM A LAPA ANTIGA,SEUS MALANDROS,SUA BOEMIA,É PRIMEIRA VEZ QUE LEIO UM TEXTO TAO BRILHANTE E RICO EM DETALHES, DA VIDA DESTE QUE FOI, ALENDA VIVA DA MALANDRAGEM,PARABENS!!!

BAIXADA REGGAE disse...

Una lenda na paz!!

BAIXADA REGGAE disse...

A lapa é o berço da cultura carioca os cariocas aquí nasceram papo de malandro ñ faz curva.

Unknown disse...

Que saudade...

Unknown disse...

Que saudade...